domingo, 20 de janeiro de 2013

CRÔNICA - NÃO TENHO RELIGIÃO, MAS, ACREDITO EM TUDO!


      
            Dizia-se atéia. Contudo, não levantava da cama sem o bom e velho sinal da cruz.
Logo em seguida abria a janela bendizendo a natureza que tudo lhe dava, sem precisar entrar na fila, nem pegar senha.
            Não sabia explicar bem porque, mas, como todo bom carioca, as flores eram jogadas ao mar, como rito de passagem de um novo ano que chegava devagar, cristalino feito marola. Dizia que as flores representavam a ela mesma, se entregando com frescor e beleza nas ondas de uma nova maré, que ali se iniciava, sem perder o perfume e a cor, fluindo com leveza.
            Debaixo de escada não passava. Batia na madeira sempre que tropeçava. Gato preto, então, lhe arrepiava.
            Seguia sua vida tranqüila e descrente de tudo, como afirmava, mas, água benta não podia faltar em sua casa. Havia aprendido com sua bisavó, macumbeira com certeza, que uma boa benzedura com água benta, nos 4 cantos da casa e uma vela amarela de 7 dias acesa, 365 dias por ano, deixava o ar mais leve, a família mais próspera e sem discussões. Dizia que era uma tradição ancestral antiga, não deveria ser quebrada para evitar a desunião no seio familiar. Por isto mantinha a risca. E quando ia buscar sua água na igreja, sempre às 18h, sentia-se profundamente tocada ao passar junto ao velário. Solidária com os fiéis, ajoelhava-se e acendia suas 7 velas de cera. Gostava de comprar as velas votivas lá. Intitulava-se prestativa e que assim fazia para ajudar a manter a casa do senhor, que era um lugar aprazível para ir quando precisava se acalmar.
           O mais curioso de tudo era vê-la passar numa encruzilhada, principalmente, se lá  tivessem deixado uma oferenda, daquelas de 6af. 13. Sabe como é?   A atéia, não se fazia de rogada, num rápido rodopio, batia a mão esquerda no centro do peito, na testa e jogava tudo para o céu, dizendo baixinho:
            - “SARAVÁ”.
            Saia de costas. Com os olhos revirados e o semblante em diagonal.
            Mulher angelical, gostava de ler com freqüência o site macumba online.  Comentava apenas que era engraçado, mas, o pobre marido enfeitiçado achava sempre na cueca um pósinho perfumado. Divertia-se com o desvelo da mulher.
            - Tão cuidadosa! Dizia no trabalho. Me trata feito criança. Até talquinho coloca em minhas roupas.
            Até hoje seguem assim. Juntos e felizes. Ele sequer olha para o lado.
                                                                                                                                                                        Marcia Tavares (07/2010)

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